Por Bardo Viking
Dando continuidade a esta série de artigos, se você ainda não leu a primeira parte deste artigo, O heavy metal e o RPG, Parte I, aproveite para ficar por dentro do assunto. E agora, vamos ao verdadeiro objetivo deste artigo – observar a relação entre o RPG e o heavy metal, e ver como o segundo pode ser usado para incrementar o primeiro.
Finalmente! E aí, o que é que o RPG e o heavy metal têm a ver um com o outro?
Bom, se você conhece bandas como Blind Guardian, Hammerfall, Rhapsody of Fire ou Drakkar, você já deve ter percebido: pelas letras dessas bandas, parece que os integrantes jogam ou já jogaram RPG! Muitas delas falam sobre cavaleiros sagrados montados em dragões enfrentando feiticeiros malévolos que lideram hordas de mortos-vivos contra o reino e querem sacrificar princesas virgens em nome de deuses das trevas, e temas similares; outras contam histórias vindas diretamente de obras de fantasia como O Senhor dos Anéis, Elric de Melniboné, o rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda, dentre muitas outras.
Mas isso tem uma explicação simples: muitos dos compositores dessas bandas são fãs de livros de fantasia medieval, e acho mesmo que alguns até jogam RPG! Mencionar o Blind Guardian é até covardia; a banda não só tem muitas, MUITAS músicas que citam direta ou indiretamente os livros do Tolkien (autor de O Senhor dos Anéis) – e também outros autores, ainda que em menor número –, como “Run for the Night”, “Lord of the Rings” e “The Bard’s Song – The Hobbit”, como tem até mesmo um álbum inteiro (o Nightfall in Middle Earth) inspirado inteiramente na obra O Silmarillion!
Outra banda que vai por essa linha “vamos escrever músicas cujas letras são baseadas nas obras de um autor de fantasia” é a banda italiana de power metal Domine, que parecem gostar muito do Michael Moorcock (autor das histórias protagonizadas por Elric de Melniboné, um dos primeiros heróis trágicos da fantasia moderna – e clara inspiração para personagens como o Arthas Menethil, da série de jogos de computador Warcraft); isso se vê por músicas como “Last of the Dragonlords”, “Horn of Fate” e “Bearer of the Black Sword”.
E isso, sem contar bandas que se inspiram diretamente nas narrativas originais que inspiraram a fantasia moderna. Por exemplo, a banda Grave Digger tem um álbum temático baseado por inteiro na Matéria Arturiana, o Excalibur, e a banda sueca de black metal folclórico Thyrfing só usa como referência as histórias da mitologia nórdica em suas letras. E esses são apenas alguns exemplos dentre muitos.
Finalmente, muitas dessas bandas também descrevem histórias originais de fantasia em suas letras. Exemplos de bandas que fazem isso são a banda brasileira de power metal Dragonheart, a banda italiana de power metal Rhapsody of Fire, e até a banda de metal tradicional Judas Priest (“Painkiller” é um exemplo clássico de história de fantasia, ainda que a roupagem não seja medieval, mas sim futurística).
Certo, mas em que isso vai me ajudar com os meus jogos?
Bom, em primeiro lugar, você pode usar as letras das músicas como inspiração para criar personagens, aventuras, ou mesmo campanhas inteiras.
Vamos pegar de exemplo algumas músicas do Blind Guardian: em “Banished from Sanctuary”, do CD Follow the Blind, a banda conta a história de uma espécie de “Messias dos tolos” – um pregador que se diz santo, mas que leva os seguidores para o caminho da perdição; em “Follow the Blind”, do mesmo CD, o narrador fala de como ele é guiado por um cego em uma estranha jornada para um lugar fantástico; e em “Hall of the King”, também do mesmo CD, o narrador agora se encontra no salão do rei (que rei? Onde fica esse salão? A música não fala), um local “mais frio que a morte” e, aparentemente, “eternamente escuro” – a idéia que a música passa é a de um salão em ruínas, um local onde só o que reina é a loucura.
Hum, isso já me dá algumas idéias…
Imaginemos a seguinte história: eras atrás, um poderoso rei – o maior de todos! – construiu um castelo inexpugnável; e neste castelo, ele se sentava em seu salão feito de ouro e prata, demonstrando toda sua glória e poder.
Certo dia, esse rei foi visitado por um eremita até então desconhecido. Esse homem “santo” – um Messias das trevas – seduziu o rei com sua fé falsa e o levou a engajar-se em uma cruzada contra os outros reinos, habitados por “infiéis”. A guerra “santa” que se seguiu foi sangrenta, mas por fim os exércitos do rei louco foram derrotados. Seu castelo, no entanto, realmente não podia ser conquistado pela força das armas; e por alguma razão, não era possível simplesmente sitiar o castelo e submeter todos pela fome (talvez o rei e seus guerreiros de elite tivessem alcançado a iluminação através das pregações do homem “santo” e transcendido as limitações da carne?). Por isso, os maiores feiticeiros dessa época reuniram-se e invocaram uma poderosa magia, um poderoso terremoto que destruiu todos os alicerces do castelo e o fez ser literalmente engolido pela terra, de tal forma que ninguém nunca mais seria capaz de encontrá-lo.
Sem que ninguém soubesse, no entanto, o falso Messias fugiu antes da derrota final. Eu o vejo como uma espécie de homem santo, verdadeiramente iluminado, que estava prestes a alcançar a transcendência espiritual e física completa, mas que, no último instante, fracassou. Agora, ele é um louco religioso; um monge que acredita verdadeiramente em uma filosofia religiosa maligna (ou pelo menos, insana), mas também tem plena consciência de que é louco, e busca converter (ou melhor, corromper) os outros apenas para seu próprio prazer.
Imaginemos agora que alguns séculos se passaram desde então. Sem que ninguém soubesse, o rei corrompido ainda existe como uma espécie de morto-vivo, ele e seus guerreiros, em seu salão em ruínas. O Messias louco, por sua vez, ainda vive; sua iluminação – por mais distorcida e incompleta que seja – o permitiu transcender alguns aspectos da mortalidade. Talvez ele tenha servido de inspiração para uma religião das trevas, mas agora ele se contenta em errar pelo mundo, pervertendo uma ou outra pessoa por aí.
Hum… O salão não está apenas em ruínas. Não, o espírito iluminado do rei corrompido literalmente possuiu o salão, que agora é uma espécie de ser vivo – eternamente em mutação, sempre refletindo a perversidade da alma de seu senhor.
Bem, de alguma forma, os Personagens Jogadores descobrem a existência do rei e seu salão, e por alguma razão, eles têm que destruí-lo. (Desculpem se não dou mais detalhes, mas essa é uma parte que acho importante que cada Mestre de Jogo descreva por si próprio; afinal, ele sabe muito mais sobre seu próprio jogo que eu, e poderá ajustar a aventura ao seu próprio grupo muito melhor do que eu jamais poderia fazer.)
Antes disso, no entanto, eles precisam descobrir um modo de destruir de vez o rei morto-vivo. Para isso, eles precisam entender sua “iluminação”, e para isso, eles precisam conversar com o Messias! A primeira parte da aventura, então, seria eles localizarem o monge louco, chegarem até ele, e conseguirem convencê-lo a revelar a verdade sobre como enfrentar o rei – ao mesmo tempo em que tentam resistir à sua pregação corruptora. Penso que eles precisariam de algum tipo de item mágico para quebrar de vez os vínculos entre o espírito do rei e seu corpo, permitindo que ele possa ser destruído finalmente.
A segunda parte seria encontrar esse item. Aqui, os Personagens Jogadores teriam que encontrar um cego em especial, o único ser – talvez um gnomo; a capa do CD Follow the Blind tem um gnomo – que seria capaz de levá-los até esse item. Para chegarem lá, eles terão que fazer uma jornada estranha por um reino fantástico.
Hum… Vamos apimentar isso! Que tal se acrescentássemos coisas baseadas em músicas do Dragonheart e do Dark Avenger, outra banda brasileira de power metal? Inspirado em “Arcadia Gates”, do CD Underdark do Dragonheart, vamos dizer que o reino fantástico é uma versão mais sombria de Arcádia, povoada por elfos, goblins, gnomos, ogros e anões sádicos e amorais, além de florestas encantadas malignas e espíritos elementais furiosos; e também que, para descobrir a localização do item, os PJs terão de conversar com um carvalho inteligente e resolver suas charadas primeiro. E inspirado em “Morgana”, do CD Tales of Avalon – The Terror do Dark Avenger, esse item mágico está em posse de uma terrível feiticeira capaz de controlar o clima e os espíritos da Natureza e amaldiçoar os inimigos.
Bem, e é isso! A partir daí, eles agora terão de encontrar um jeito de chegar até o salão do rei – talvez o gnomo cego possa ajudá-los de novo? –, enfrentar seus guerreiros leais, usar o item mágico contra ele e, por fim, derrotá-lo.
Gostaram da dica? Que outras capas e letras seriam ótimas fontes de inspiração para as suas aventuras? Dá uma conferida nos seus cds e playlists, você pode se surpreender e criar uma rica história na próxima sessão. Diversão garantida!
Fiquem ligados na terceira e última parte, ainda esta semana! Se você ainda não leu a primeira parte deste artigo é só acessar: Heavy Metal e o RPG parte I.
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