Anita Sarkeesian tem um canal no YouTube, Feminist Frequency, (E um site também: http://www.feministfrequency.com/ ~JT) no qual ela posta uma série chamada “Tropes vs. Women”. Nesses vídeos, ela analisa as maneiras como as mulheres são representadas em vídeo games. Recentemente, ela sofreu ameaças pelo Twitter de alguém que sabia seu endereço e o de seus pais. A polícia americana já está cuidando do caso, e Sarkeesian continuará a fazer o Tropes vs. Women.
Mas este artigo não é sobre Anita Sarkeesian, nem o maníaco que a ameaçou. Não, quero falar sobre a reação de uma parte substancial da “comunidade” nerd a esse caso.
Caro leitor, imagine que sejamos colegas e que nos esbarremos na rua. Imagine ainda que, durante a conversa, eu diga algo como “Você soube da Maria Beltrana? Parece que ameaçaram estuprá-la pelo Twitter!”; sua primeira reação seria responder “Detesto ela!”, ou algo semelhante?
Pois é. No entanto, foi exatamente o que aconteceu: várias pessoas escreveram parágrafos inteiros atacando Anita Sarkeesian – veja bem, leitor, atacando Anita Sarkeesian, não seus vídeos ou suas opiniões – para terminarem com uma ou duas linhas falando “Mas isso o que aconteceu com ela foi horrível”.
Novamente, só para ênfase: quando ficaram sabendo que Anita Sarkeesian foi ameaçada com estupro e morte, a prioridade de uma parte substancial dos nerds americanos (será que só americanos?) foi atacar a pessoa dela, em vez de demonstrarem compaixão, ou pelo menos não falarem nada.
Isso quando não disseram coisas como “A culpa é dela por provocar as pessoas”. Porque é óbvio que a culpa é sempre da vítima, se ela ficasse quietinha no seu canto nada de ruim aconteceria com ela, não é verdade? Todo mundo sabe que foi assim que conseguimos o impeachment do Collor.
Mas por que os nerds tiveram essa reação?
Minha teoria é de que isso é um reflexo de um aspecto maior da sociedade: a noção errada, compartilhada por “ativistas dos direitos dos homens” e afins, de que as mulheres conseguirem mais direitos automaticamente equivale aos homens perderem direitos. Com certeza existem outros fatores envolvidos (talvez uma espécie de “reacionarismo nerd”, por exemplo: “Como você ousa querer mudar as coisas que eu gosto? Sou eu quem gosta delas, sou eu quem tem que decidir se elas têm que mudar ou não!”), mas acredito que esse seja especialmente importante. Então, vamos ver isso com calma, certo?
A primeira coisa a ser dita, a mais importante, é a seguinte: homens, não se sintam atacados. Nós não estamos sendo atacados por ninguém. As mulheres só querem direitos iguais; nós não perderemos nada do que já temos.
Não vamos deixar de jogar com o Mário, o Luigi ou o Toad se a Peach e a Daisy também puderem ser escolhidas. É, eu sei que nesses jogos normalmente não podemos jogar com a Peach, a Zelda ou outras personagens semelhantes porque elas foram sequestradas e o objetivo do jogo é justamente resgatá-las, mas quantas vezes precisamos repetir essa mesma história?
Não é nem mesmo necessário abandonar de vez a trama de resgatar a princesa nos vídeo games. Basta a princesa ser um personagem de verdade, em vez de só um objeto que precisa ser resgatado, ou então existirem outras mulheres no jogo para compensar o fato de que a princesa é só um objeto. Se realmente for necessário que a Peach seja sequestrada pelo Bowser pela enésima vez, por que não criar outra personagem feminina que possa ser usada pelos jogadores?
Outra coisa: é muito legal ver os seios da Mai Shiranui (e outras gostosonas de vídeo games) quebrando as leis da Física, mas não vamos perder nenhum “direito” masculino se as mulheres nos jogos tiverem proporções normais de seios e bundas, não se contorcerem em poses de coelhinhas da Playboy e se vestirem apropriadamente, em vez de como se fossem modelos da Victoria’s Secret.
Aliás, o Ministério da Saúde adverte: para ter um relacionamento com mulheres na vida real, é preciso muito mais que apertar X – quadrado – bola em sequência. Fantasiar é bom, mas tomem cuidado para não confundir realidade e fantasia, certo?
E já que estamos falando disso, não vamos perder o “direito” a jogos com cenas de sexo e afins se as mulheres nesses jogos forem pessoas com desejos sexuais, em vez de apenas objetos sexuais. Não tem nada de errado em uma mulher querer transar com o protagonista, por exemplo; mas quando essa personagem existe APENAS para transar com o protagonista, ou quando ela é tratada como se fosse um prêmio, ou algo assim, isso é pura fantasia pré-adolescente. As mulheres seminuas da série God of War e do Duke Nukem 3D não são pessoas de verdade, são meros objetos decorativos. Contrastem-nas com a Morrigan e a Isabela de Dragon Age, personagens femininas que demonstram sua sexualidade, mas não existem apenas para agradar ao jogador.
Esses são apenas alguns exemplos de “privilégios” masculinos que NÃO perderemos se as empresas que fazem os jogos prestassem mais atenção ao público feminino. Para que mesmo precisamos de ativistas dos direitos dos homens?
Lembrem-se, rapazes: quando as mulheres reclamam, por exemplo, dos maníacos que ameaçam estuprá-las e matá-las, não precisamos dizer que “nem todo homem é assim”. Gente, ELAS SABEM DISSO. Mas quando algum de nós fala “nem todo homem é assim”, ele está desviando a atenção das mulheres para si – e nós não precisamos de mais atenção, não é verdade? Nós tivemos, e continuaremos a ter, os Doomguys, Duke Nukems, Master Chiefs, Mários, Mega Men, e tantos outros; não vamos perder nenhum deles se as mulheres puderem ter suas próprias heroínas também, heroínas que não sirvam apenas para atender aos nossos desejos.
Só para finalizar: se você está lutando pelo direito de botar outra pessoa para baixo, coloque as coisas em perspectiva e repense seus objetivos.
Eis aqui alguns artigos (em inglês) muito bons que também tratam dessas questões da cultura nerd:
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